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NÚCLEO MEMÓRIA

Direitos humanos |   Símbolo da luta contra ditadura, Alexandre Vannucchi faria 72 anos em outubro

Alexandre Vannucchi foi torturado e morto aos 22 anos, por atuar na Ação Libertadora Nacional (ANL), mesmo grupo de Carlos Marighella. Foto: acervo de família

por Fernanda Ikedo (Portal Porque)

O estudante sorocabano Alexandre Vannucchi Leme completaria 72 anos neste dia 5 de outubro. Ele foi assassinado pela ditadura militar em 1973, aos 22 anos, quando cursava o quarto ano de geologia na Universidade de São Paulo (USP). Seu nome entrou para a história como um dos que tiveram a coragem de enfrentar a ditadura, e sua morte é vista como um divisor de águas no combate ao regime militar.

Para o ex-preso político Maurice Politi, que é membro fundador do Núcleo de Preservação da Memória Política, “Alexandre precisa ser lembrado como um estudante de geologia da USP que buscava, além de estudar, contribuir para a derrubada da ditadura então vigente, promovendo a derrubada de um regime ilegítimo e uma sociedade que fosse menos desigual e que incluísse valores de uma cidadania democrática”.

Politi, que ficou preso em São Paulo durante quatro anos, entre 1970 e 1974, ressalta que “os valores defendidos por Alexandre são valores perenes de justiça e liberdade e por isso deve-se sempre pensar que jovens idealistas como Alexandre tiveram a ousadia e coragem de, mesmo sabendo dos perigos que corriam, lutar contra os golpistas que tomaram conta do país em 1964 e assim permaneceram até 1985”.

O Núcleo de Preservação da Memória Política é uma ONG constituída em 2009 e que luta pelo resgate da memória do período da ditadura civil-militar no Brasil, assim como pela constituição de lugares de memória em todo o país. Trajetórias como a de Alexandre são lembradas como ato de resistência contra o autoritarismo tão arraigado na sociedade.

“Sua curta vida, ceifada na tortura e na violência contra ele, de forma irracional e brutal, deve servir de exemplo para a juventude hoje, que na busca dos mesmos valores, tenta se organizar em diversos coletivos e associações”, pontua Politi.

De família católica e o mais velho de seis irmãos, Alexandre lutou contra a ditadura — que se instalou com o golpe de 1964 e durou até 1985 — como integrante da Ação Libertadora Nacional (ALN), mesma organização do líder revolucionário Carlos Marighella. Ele editava boletins pelo Centro Acadêmico e fazia palestras denunciando o projeto da Transamazônica, que explorava os recursos naturais, com a devastação promovida pelo capital estrangeiro.

Devido à perseguição política, à repressão, censura e torturas que vinham ocorrendo no Brasil, as ações tinham de ser clandestinas. Em março de 1973, Alexandre foi sequestrado por agentes da repressão e levado para o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi).

Conforme documentos da Comissão da Verdade, Alexandre foi preso dia 16 e no dia 17 de março estava morto, após sofrer torturas.

 

Comoção no país

A morte de Alexandre gerou mais indignação contra o governo militar e os estudantes se organizaram numa comissão para apurar a morte e as prisões de outros estudantes, além de realizar uma missa de sétimo dia para Alexandre. Um comunicado de luto e de protesto foi lançado por aproximadamente 30 centros acadêmicos do Estado de São Paulo e Rio de Janeiro.

Para a professora e historiadora Maria Aparecida Aquino, pesquisadora do período, em depoimento ao documentário “Porque lutamos” (2008), a morte de Alexandre contribuiu para que a luta contra a ditadura retomasse o fôlego e avançasse com novos protestos.

Mais de cinco mil pessoas participaram da missa em intenção a Alexandre na Catedral da Sé, feita pelo arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns. Estudantes, políticos, artistas, sindicalistas e profissionais liberais protestaram contra a versão de morte inventada pela ditadura (após a morte de Alexandre, alguns jornais de grande circulação noticiaram que ele havia sido atropelado por um caminhão). A luta da família, principalmente dos pais, dona Egle Vannucchi Leme e de seu José Leme, foi de angústia e agonia por não terem notícias do filho primogênito.

Somente 10 anos após a morte, em 1983, a família conseguiu fazer o traslado dos restos mortais de Alexandre para Sorocaba e, do mesmo modo, celebrar a missa e o enterro tão aguardado. Torturado pelos agentes da repressão, o estudante havia sido jogado numa vala comum, em Perus.

 

Locais de memória

O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP, em 1976, passou a levar o nome de Alexandre após a sua reorganização. Uma escola municipal, em Ibiúna, também presta homenagem ao estudante. Em Sorocaba, foi feito um monumento simples, na praça onde ele jogava bola quando era criança.

 

Na confluência da rua Amazonas com a avenida Afonso Vergueiro, havia uma placa de bronze em homenagem ao estudante sorocabano. Mas, de acordo com familiares, em 2020, ela foi roubada. Fica na praça o monumento, que mesmo sem a identificação, é um marco de resistência, que foi inaugurado com a presença de familiares, amigos e do então deputado estadual Fernando Morais, o jornalista que escreveu “Olga”, “A Ilha”, entre tantas outras obras.

 

Em 1978, por indicação do então vereador João dos Santos Pereira, a inauguração contou com uma carta lida por Fernando Morais, do escritor Gabriel Garcia Márquez, autor de Cem Anos de Solidão. A carta dizia:

“Companheiros estudantes,

O pouco tempo que estive no Brasil não me permitiu aceitar o convite que vocês me fizeram para a inauguração da Praça Alexandre Vannucchi Leme. Apesar da ausência pessoal, quero que saibam que estou aí, junto com vocês, na mesma dura luta que vocês enfrentam pela democracia e pelo respeito dos direitos humanos.

Saibam que vocês não estão sozinhos nessa luta. Na Nicarágua ensanguentada por Somoza, no Chile ensanguentado por Pinochet, em toda a nossa América Latina ensanguentada por tantos opressores, ficará sempre a voz de um Alexandre Vannucchi Leme clamando pela liberdade e pela democracia.

Peço-lhes, pois, que aceitem a minha solidariedade.”

 

 

 


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