Vivemos em um país em que o “mito da democracia racial” foi utilizado para mascarar a tradição escravocrata e a prática cotidiana da tortura, presente a partir do golpe de Estado de 1964, que instaurou uma ditadura civil-militar. A ditadura, além das sevícias físicas e mentais, perseguiu, matou e desapareceu com os que legitimamente se sublevaram contra si. O Direito à resistência contra a tirania é acolhido desde a antiguidade e presentemente consta juntamente com a desobediência civil em normativas internacionais, assim como na própria Constituição Federal de 1988.
Apesar de louváveis tentativas de implementação de uma Justiça de Transição, infelizmente ainda vigora em nosso país a Lei de Anistia, que perdoou os crimes contra a humanidade praticados por militares contra os que resistiram à ditadura, impedindo suas devidas punições. Assim, por meio da violência do silenciamento imposto, mais uma vez ocultou-se a verdade e a história de torturas em nosso país. A impunidade destes crimes e a persistência das práticas de tortura contribuíram para a eleição, em 2018, de um presidente que abertamente defende condutas nefastas contra a dignidade humana, permitindo que o passado autoritário voltasse a ameaçar a democracia.
Ante a persistência de práticas violadoras da dignidade da pessoa humana, é fundamental assegurar a existência de mecanismos estatais de combate a tortura, como o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), criado pela Lei Federal nº 12.847/2013, que implementou o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Apesar das tentativas do atual governo federal de enfraquecer a atuação do MNPCT, este órgão tem conseguido desenvolver importantes ações no país.
É importante, ainda, atentar e combater a atual política de desmonte da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Este importante órgão de reparação histórica tem sido alvo de ataques do governo federal, que busca deslegitimar suas atribuições institucionais, enfraquecendo sua atuação.
Em São Paulo, o projeto de lei que criou do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, apesar de aprovado pela ALESP, foi vetado pelo então governador João Dória, obstando a potencialidade de implementação dessa política de prevenção à tortura no estado paulista.
A tortura tem sido usada como mecanismo de controle social dos corpos da classe trabalhadora. O perfil da tortura mudou por motivos ideológicos, mas os negros, pobres e jovens da periferia continuam sendo alvo de práticas nefastas praticadas, na maioria dos casos, por agentes do Estado.
Neste contexto, é importante pensarmos sobre a persistência das práticas de tortura no Brasil. As eleições deste ano podem servir para a escolha de projetos comprometidos com a democracia, a justiça social, a defesa dos direitos humanos, que repudiem e combatam efetivamente a tortura, proibida em nossa Constituição Federal.
O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo – CONDEPE, comprometido com a defesa da dignidade humana, repudia qualquer prática de tortura e exige que os órgãos públicos do Estado de São Paulo adotem medidas que assegurem a imediata instalação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Enfrentamento a Tortura de São Paulo, bem como a implementação do Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento a Tortura de São Paulo.
São Paulo, 26 de junho de 2022
Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana
Estado de São Paulo