PALÁCIO DAS NAÇÕES • 1211 GENEVA 10, SUÍÇA
Mandato do Relator Especial sobre a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não-reincidência
REFERÊNCIA:
AL BRA 8/2021
7 de setembro de 2021
Excelência,
Tenho a honra de me dirigir a Vossa Excelência na qualidade de Relator Especial para a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não-reincidência, de acordo com a resolução 45/10 do Conselho de Direitos Humanos.
A este respeito, gostaria de chamar a atenção da gestão de Vossa Excelência para as informações que recebi sobre a alegada inação do Governo do Estado de São Paulo em cumprir a decisão de 2014 do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo (Condephaat) solicitando a preservação das antigas dependências do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e a instalação de um lugar de memória sobre as graves violações de direitos humanos ali cometidas durante a ditadura brasileira.
De acordo com as informações recebidas:
Durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985), os serviços de repressão política eram coordenados pelas Forças Armadas no âmbito do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). A cidade de São Paulo sediou o maior desses centros, que se tornou notório como o principal local de violações dos direitos humanos durante o regime militar no país. Mais de 7.000 pessoas foram presas no DOI-CODI de São Paulo, a maioria das quais submetida à tortura física. Pelo menos 64 pessoas foram assassinadas ou desapareceram sob custódia desse serviço, segundo o Ministério Público Federal e a Comissão Nacional da Verdade. Em seu julgamento no caso Herzog et al. V. Brasil, em 15 de março de 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos afirmou que neste destacamento foram cometidos crimes contra a humanidade.
Em 2014, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo (Condephaat) decidiu que as antigas instalações do DOI-CODI (e de seu antecessor, a Operação Bandeirante - OBAN) deveriam ser preservadas, como patrimônio cultural do estado, e como lugar de memória das graves violações de direitos humanos cometidas.
Após quatro anos de inação do governo estadual e seu descumprimento da decisão do Conselho, em 2018 o Ministério Público do Estado de São Paulo abriu inquérito civil para exigir do Estado de São Paulo o estabelecimento de um lugar de memória sobre a ditadura militar e as violações aos direitos humanos cometidas naquele período nas antigas dependências do DOI-CODI. No entanto, as negociações extrajudiciais com o governo do Estado não alcançaram resultados frutíferos. Em 2021, após consulta à sociedade civil e organizações de vítimas, o Ministério Público responsável pelo caso, instaurou ação para obrigar o Estado de São Paulo a cumprir o dever de instalação de UM memorial no local (Ação Civil Pública - Processo 1034665 -31.2021.8.26.0053).
O juiz encarregado do caso proferiu medidas provisórias para obrigar o Estado a garantir a manutenção do espaço e determinou que se realizasse audiência de conciliação entre as partes no dia 9 de setembro de 2021, na antiga sede do DOI CODI, onde atualmente funciona uma delegacia de polícia. Nessa oportunidade, o governo de São Paulo deve se manifestar se acata os pedidos do Ministério Público de transferência dos prédios atualmente sob posse da Secretaria de Segurança Pública para a Secretaria de Cultura e Economia Criativa, com vistas à implantação do lugar de memória e a desativação da delegacia.
Eu manifesto séria preocupação com a falta de implementação da decisão de 2014 do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo (Condephaat) solicitando a preservação das antigas instalações do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e a instalação de um lugar de memória das graves violações de direitos humanos ali cometidas durante a ditadura brasileira. Gostaria de lembrar que os Estados onde ocorreram graves violações dos direitos humanos têm o dever de preservar e transmitir às gerações atuais e futuras a memória dessas violações, incluindo as ações e responsabilidades que as conduziram e os danos sofridos pelas vítimas, a fim de protegê-los do apagamento e contribuir para a prevenção de sua recorrência.
Em conexão com os fatos e preocupações alegados acima, por gentileza consulte o Anexo de Referência sobre Direitos Humanos Internacional incorporado a esta carta, que cita instrumentos e normas internacionais de direitos humanos relevantes para essas alegações.
Como é minha responsabilidade, de acordo com o mandato que me foi conferido pelo Conselho de Direitos Humanos, buscar esclarecer todos os casos que me são apresentados, agradeceria suas observações sobre os seguintes assuntos:
1. Por gentileza, fornecer qualquer informação adicional e/ou comentário(s) que Vossa Excelência possa ter sobre as alegações acima mencionadas.
2. Por gentileza, fornecer informações sobre os motivos da não-implementação da decisão de 2014 do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo (Condephaat), solicitando a constituição de um lugar de memória nas instalações do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI)
3. Por gentileza, fornecer informações sobre as medidas tomadas pelas autoridades competentes para garantir que as violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura brasileira, inclusive no estado de São Paulo e nas dependências do DOI-CODI, sejam devidamente documentadas para garantir a preservação da memória coletiva dessas violações, o reconhecimento dos danos sofridos pelas vítimas e a prevenção da recorrência da violência passada.
Eu gostaria de receber uma resposta em 60 dias. Passado este prazo, esta comunicação e qualquer resposta recebida da gestão de Vossa Excelência serão tornadas públicas através do site de relatórios de comunicações. Posteriormente, estes documentos também serão disponibilizados no relatório usual a ser apresentado ao Conselho de Direitos Humanos.
Enquanto aguardo uma resposta, exorto a que sejam tomadas todas as medidas provisórias necessárias para assegurar que os direitos das vítimas de graves violações dos direitos humanos e a busca da verdade, justiça, reparação, memória e garantias de não-recorrência em relação a essas violações não sejam comprometidas e possam ser implementadas de forma eficaz no futuro imediato.
Queira aceitar, Excelência, a expressão da minha mais alta consideração e estima.
Fabian Salvioli
Relator Especial para a Promoção da Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não-Reincidência