Fonte: Secom/PGR
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública para que o ex-delegado de Polícia Civil do Estado do Espírito Santo Cláudio Antônio Guerra seja obrigado a ressarcir os cofres públicos dos valores pagos, a título de indenização, pelo assassinato e ocultação de cadáver cometidos por ele, durante a ditadura militar, contra o cidadão Nestor Vera.
A indenização pelos atos ilícitos praticados pelo réu foi paga aos familiares de Nestor Vera, conforme determinação da Lei 9.140/95, que previu tal pagamento às vítimas da ditadura ou aos familiares das pessoas mortas ou desaparecidas, por motivos políticos, durante o regime militar.
O Estado brasileiro pagou aos filhos de Nestor Vera a quantia de R$ 100 mil, sendo 20 mil para cada um deles. A indenização corresponde atualmente, em valores corrigidos monetariamente, à quantia de R$ 428.069,97, que é o montante a ser ressarcido por Cláudio Guerra à União.
O MPF também pede que a União seja condenada a divulgar os fatos relacionados à morte de Nestor Vera em equipamentos públicos permanentes, destinados a promover a memória e a verdade com relação às graves violações aos direitos humanos ocorridas durante o regime militar.
Os fatos - Em maio de 2012, o ex-delegado Cláudio Guerra, que trabalhou no extinto Departamento de Ordem Política e Social (DOPs) do Espírito Santo, publicou, a partir de depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, o livro “Memórias de uma Guerra Suja”, no qual narrou seu envolvimento na perseguição, morte e ocultação de cadáveres de militantes políticos nas décadas de 1970 e 1980, sob orientação de agentes do Exército e do Serviço Nacional de Informações (SNI).
No livro, e, posteriormente, em depoimentos ao Ministério Público Federal e à Comissão Nacional da Verdade, Cláudio Guerra confessou a autoria dos crimes de homicídio e de ocultação do cadáver de Nestor Vera, indicando inclusive o local onde enterrou a vítima: imóvel situado no município de Caeté, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG).
Segundo Cláudio Guerra, os fatos aconteceram em abril de 1975, quando Nestor Vera foi barbaramente torturado dentro da Delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte: “[...] Recebi um telefonema do Coronel Perdigão, que era pra mim ir até a Furtos, que ele estava preso lá e que ele não poderia aparecer de maneira nenhuma, que ia prejudicar. Então eu cheguei lá, ele estava mais morto do que vivo. [...] Aí eu falei com eles: “rapaz, vocês arrumaram uma encrenca. Nós temos que sumir com ele agora”. Aí eles falaram: “nós sabemos o local” […] Aí, pôs no carro deles, nós fomos até, eles me levaram junto até nesse local. Chegou lá ele estava mais morto, ele sentado, sofrendo mesmo e não tinha como socorrer porque não podia aparecer com ele, porque a ordem é que ele não podia aparecer, aí foi que eu executei ele. Nesse mesmo local, foi enterrado”.
Ainda segundo o ex-delegado, ele mesmo deu o tiro fatal em Nestor Vera: “na verdade dois, um no peito e outro na cabeça”.
Responsabilidade pessoal – O MPF explica que o Estado tem o dever de ajuizar ações regressivas contra agentes públicos que, por dolo ou culpa, tenham dado causa à obrigação da União ao pagamento de indenização a terceiros, conforme prevê o art. 37, § 6°, da Constituição Federal.
O MPF ressalta que não se aplica a lei de anistia de 1979, uma vez que, conforme decisão do STF na ADPF n° 153, seus são efeitos restritos à responsabilização penal dos agentes públicos. Dessa forma, a Lei de Anistia não prevê anistia para as obrigações civis decorrentes da prática de atos ilícitos.
A ação cita voto da Ministra Carmen Lúcia nesse julgamento, no qual ela expressamente pontua que, “em regresso, deverá o Estado voltar-se contra os que lhe atingiram os deveres de lealdade aos limites de ação respeitosa das pessoas políticas com os homens e as mulheres cujos direitos fundamentais foram cruamente atingidos”.
Dever não prescreveu – A ação também destaca que, embora o pagamento da indenização tenha ocorrido em 1996, a obrigação de ressarcimento pelo agente público infrator não prescreveu, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. No julgamento do Recurso Extraordinário 669069/MG, o STF considerou que são imprescritíveis as ações de reparação de danos decorrentes de fatos que configuram ilícito penal.
Além disso, após o pagamento da indenização, a União não promoveu absolutamente nenhuma medida para garantir o ressarcimento, pelo réu, dos valores despendidos pelo Estado a título de indenização reparatória à família de Nestor Vera.
Danos morais coletivos - A ação ainda sustenta que a reparação, que constitui dever da União, tratou-se apenas dos danos sofridos pelos familiares da vítima da ditadura Nestor Veras, mas também a coletividade suportou e suporta os prejuízos, de ordem imaterial, causados pelos atos ilícitos praticados pelo Estado brasileiro e por seu agente Cláudio Guerra.
“O medo, o desrespeito aos direitos humanos e a omissão da verdade sobre as circunstâncias dos ilícitos perpetrados por agentes do Estado e, especificamente, pelo réu CLÁUDIO ANTÔNIO GUERRA, também geraram – e permanecem reproduzindo – danos que recaem sobre toda a sociedade brasileira e que reclamam ser reparados. Trata se de danos morais coletivos”, afirmam os procuradores da República Edmundo Antonio Dias e Helder Magno da Silva, que subscrevem a ação.
Por isso, a ação pede que a União e o ex-delegado sejam também condenados a repararem os danos morais coletivos causados à sociedade brasileira em decorrência do assassinato de Nestor Vera, mediante pagamento de indenização a ser revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
A ação recebeu o número 1019479-08.2021.4.01.3800 e vai tramitar perante a 19ª Vara Federal de Belo Horizonte.
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Assessoria de Comunicação Social
Ministério Público Federal em Minas Gerais