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NÚCLEO MEMÓRIA

Memorial da Luta Pela Justiça |   MEMORIAL DA LUTA PELA JUSTIÇA – PESQUISA HISTÓRICA

A atuação da Justiça Militar nos casos de crimes políticos durante a Ditadura Militar no estado de São Paulo foi o ponto chave do projeto de história oral. O tema foi ricamente detalhado sob o ponto de vista dos advogados e advogadas que trabalharam incansavelmente na defesa de pres@s, perseguid@s, torturad@s, violentad@s, sequestrad@s, assassinad@os, desaparecid@s, julgad@os e condenad@os. A Justiça Militar da União (JMU), AI-2 (a partir do Ato Institucional no 2), em 1965, tornou-se a instância competente para julgamento dos crimes políticos. Na prática, transformou-se no lugar de formalização, via processos, da lógica persecutória do governo implantado em 1964. Um grupo de 16 advogados e advogadas prestaram seus testemunhos que revelam um trabalho incansável, muitas vezes com pouco efetividade na diminuição das penas impostas pelo regime, mas que garantiu a existência legal dos perseguidos, o que em alguns casos resguardou vidas. Inverdades correntes nos dias atuais, e perpetuadas na memória social, como a “teoria dos dois demônios” - que difunde a ideia de que a ditadura militar foi uma guerra entre dois lados - podem ser verificadas e contraditas nestes testemunhos que demonstram toda judicialização dos crimes políticos. Ou seja, os presos e perseguidos, além de violentados, na maioria dos casos foram julgados e condenados pelos atos julgados crimes contra a Segurança Nacional.

Os militantes resistentes inconformados com o cerceamento da liberdade política e de expressão, e com a perseguição/repressão institucionalizada numa rede de informação e policiamento de uma capilaridade social impressionantes, também foram ouvidos pelo projeto. Estas forças da resistência, contrárias ao governo militar com seus mandos e desmandos, deram testemunhos vigorosos de luta e solidariedade, dor e sofrimento, superações. Nestes testemunhos, há um consenso da teatralização realizada nos tribunais militares e sua conivência com os abusos de direitos humanos. Esses testemunhos, quando confrontados com a pesquisa histórica, mostram-se mais e mais cabíveis. Observamos, por exemplo, a negligência dos tribunais com os relatos de milhares de casos de torturas e outras violações denunciadas perante o júri, como já foi largamente estudado e descrito no “Projeto Brasil: Nunca Mais”.

Uma terceira frente de pesquisa implantada neste ano de 2019 foi a coleta de testemunhos dos membros da rede de solidariedade, luta por justiça e por direitos humanos. Entrevistamos membros de três entidades: Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo e CLAMOR- Comitê pela Defesa de Direitos Humanos para o Cone Sul. Aqui tivemos uma pequena amostragem da atuação multifacetária de advogados, juristas, professores, jornalistas, assistentes sociais, dentre outros profissionais, que estiveram envolvidos com a proteção humana dos perseguidos políticos tanto do Brasil como das outras ditaduras latino americanas. Destaca-se nestes relatos o envolvimento da Igreja Católica na defesa dos direitos humanos convergindo para a atuação emblemática de Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo a partir de 1972.

Até o momento, foram ouvidas 40 pessoas: 17 advogados, 16 ex-presos/réus, 7 membros de entidades. São testemunhos de 2 horas em média, gravados em áudio e vídeo, trabalho feito em parceria com a Universidade Metodista de São Paulo. A metodologia de pesquisa aplicada contempla pesquisa prévia, preparação de roteiros e tratamento pós-entrevista, com edição de vídeo e análise da entrevista (coleta de dados, biografia e resumos). Estas entrevistas estão abertas para pesquisa na sede do NM, com agendamento prévio.

A pesquisa histórica para o futuro Memorial da Luta pela Justiça também se enveredou por arquivos inéditos da Justiça Militar da União – JMU, trazendo à tona um debate de suma importância que necessita ser aprofundado e travado com seriedade histórica: de fato, quais são os números da perseguição política na ditadura brasileira? Uma das pontas dessa enorme trama de pesquisa pode ser a JMU, onde é possível identificar grande parte dos julgados, condenados e indiciados por crimes políticos.

Em nosso projeto, a identificação dos processos de crimes políticos, dos réus e dos advogados eram os objetivos principais e o “Projeto Brasil: Nunca Mais”(BNM) a fonte primeira, por sua densidade e precisão e, por isso, a citamos comparativamente. Segue alguns resultados da pesquisa que esboçam a dimensão do trabalho. Para o ano de 1964 existem 10 processos identificados pelo BNM; nos arquivos da JMU identificamos mais 6 processos levando em conta os mesmos critérios do BNM (processos tramitados na JMU). Além desses 6 novos processos, outros 11 foram identificados, sendo que são processos com caráter diferente. São processos arquivados, encaminhados para Justiça Comum, encaminhados para outras regiões militares ou apensados. Outro dado interessante desta pesquisa a ser compartilhado é que na cobertura cronológica de processos tramitados, entre 1974-1988, foram encontrados 20 novos processos.

Este ano ainda realizamos, em parceria com o Superior Tribunal Militar (STM) e com a OAB-SP, o “Projeto de Digitalização de Processos de Crimes Políticos”, que cobriu a digitalização integral de 76 novos processos identificados pelo projeto de pesquisa do Núcleo Memória. Estes documentos estão identificados, arquivados e preservados em nossa sede e também podem ser consultados por pesquisadores interessados. Lembramos que o arquivo do STM dá acesso público a todos os processos judiciais do período em questão.

Observando os projetos desenvolvidos, com alguns estudos que apesar de iniciais trazem apontamentos importantes para possíveis rotas de trabalho, é possível apontar que há um longo trabalho pela frente, que exigirá financiamento, trabalho especializado e projetos de difusão complementares, necessários para o avanço crítico da memória e história recente do Brasil.

 

28.11.2019
Paula Salles – coordenadora da pesquisa histórica do MLPJ

 

Galeria de Fotos

Entrevista com Margarida Genevois, diretora da Comissão de Justiça e Paz - SP. São Paulo, 25/09/2019. Foto: César Rodrigues.
 
Entrevista com Celso Brambilla, ex-preso político, militante da Liga Operária. São Bernardo do Campo, 30/07/2019. Foto: César Rodrigues.
 
Entrevista com José Gregori, ministro da Justiça, diretor da Comissão de Justiça e Paz-SP. São Paulo, 05/11/2019. Foto: César Rodrigues.
 
Entrevista com Mário Sérgio Duarte Garcia, presidente da OAB-SP e da OAB Nacional. São Paulo, 29/08/2019. Foto: César Rodrigues.
 
Entrevista com Jan Rocha, membro do CLAMOR. São Bernardo do Campo, 21/11/2019. Foto: César Rodrigues.
 
Entrevista com Iberê Bandeira de Melo, advogado. São Paulo, 09/12/2016. Foto: Alessandra Haro.
 
Entrevista com Rosa Cardosa da Cunha, advogada. Rio de Janeiro, 03/02/2017. Foto: Ana Paula Brito.
 
Entrevista com Idibal Pivetta. São Paulo, 30/03/2017. Foto: Graciela Rodrigues.
 
Entrevista com Márcia Basseto Paes, ex-presa política, militante da Liga Operária. São Bernardo do Campo, 29/03/2018. Foto: Gabriela Rodrigues.
 
 Pesquisa no Arquivo do Superior Tribunal Militar em Brasília. 2018.
 
 Pesquisa no Arquivo do Superior Tribunal Militar em Brasília. 2017.
 
Processo de crime político (Auto Findo) da 2ª Auditoria Militar de São Paulo.
 
Processo de crime político (Apelação) do Superior Tribunal Militar.
 
Livro de Tombo de Processos Ordinários da 2ª Auditoria Militar de São Paulo.

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