Participaram da live José Luiz Baeta (acupunturista, pesquisador e coordenador do Comitê Popular de Santos por Memória, Verdade e Justiça), Luiz Augusto de Almeida Filho (presidente da Associação dos Aposentados do Sindicato dos Operários Portuários e sindicalista da CUT), Profa. Ana Lúcia Lana Nemi (professora de História da Unifesp e de História Contemporânea do programa de pós-graduação da mesma Universidade; coordenou a Comissão da Verdade Marcos Lindenberg da Unifesp) e Profa. Lídia Maria de Melo (jornalista, professora de jornalismo da UniSantos, pesquisadora sobre ditadura militar; filha de Iradil de Santos Melo, sindicalista preso no navio Raul Soares, e autora do livro “Raul Soares, um Navio Tatuado em Nós”).
A atividade contou com a participação de Maurice Politi (diretor administrativo do Núcleo Memória) e de César Rodrigues (pesquisador e educador do Núcleo Memória), mediador do projeto de lives Conhecendo Lugares de Memória.
Maurice Politi deu as boas-vindas e manifestou pesar, em nome da equipe, dos Conselheiros e dos Amigos do Núcleo Memória, pelo falecimento de Alípio Freire, ex-preso político e um dos fundadores do NM, que faleceu nesta data vítima de Covid. Anunciou que a atividade deste dia seria dedicada à sua memória.
Luiz Augusto de Almeida Filho iniciou as falas. Disse que participa todos os anos da atividade feita no lugar em que se rememora o navio Raul Soares e sempre se emociona. Na época, tinha entre 11 e 12 anos e, quando entrou no Sindicato, anos depois, ouviu o relato de alguns companheiros de diversos sindicatos, que falaram como era o cotidiano dos prisioneiros no navio e os tipos de tortura a que alguns foram submetidos. Falou ainda que o Sindicato foi o que mais teve presos no navio, mas que também foram presas pessoas que não eram portuárias, como Thomas Maack, médico alemão e professor da Unicamp, denunciado pelos colegas como comunista, e não se sabe por que foi preso no navio. Encerra dizendo que acredita que a história deveria ser matéria escolar, para que não se esqueça.
José Luiz Baeta pautou sua fala em 3 aspectos: a história da cidade de Santos, do porto e dos trabalhadores. Sobre Santos, a importância que a cidade assumiu especialmente nos anos 1940, por terem se formado, a partir de 1946, quando do fim do Estado Novo, várias células do Partido Comunista e passando a ser conhecida como a cidade de Prestes, o Cavaleiro da Esperança. A atividade econômica do porto criava condições políticas para uma sindicalização muito ativa, um ambiente de organização operária bastante forte, e uma efervescência cultural, especialmente entre os anos 1946 e 1964. A boa articulação que as lideranças sindicais tinham com o governo federal e o próprio presidente João Goulart fez com que a repressão, advinda com o golpe militar, fosse bem forte. Assim, foi determinado que Santos deveria servir de exemplo para todo o Brasil. O navio Raul Soares chegou no dia 23 de abril, na Ilha de Barnabé, local em que podia ser visto de toda a cidade, servindo como intimidação. Foram presos no navio militares que não apoiavam o Golpe, cientistas da USP e principalmente os sindicalistas de Santos. Todos os sindicatos sofreram intervenção e tiveram seus líderes presos. José Luiz também se referiu às várias publicações sobre o navio, considerando como uma das principais o livro “Sombra Sobre Santos”, de Carlos Mauri Alexandrini, de 1988, que conta com detalhes sobre os espaços do navio e como alguns eram usados para tortura. Também se referiu à obra esgotada do jornalista Nelson Gatto “Navio Presídio. José Luiz finalmente destacou que o Comitê Popular de Santos por Memória, Verdade e Justiça tem trabalhado para que o lugar de memória, o espaço onde as pessoas presas tomavam a lancha para o navio presídio, possa integrar os lugares de memória da cidade, ainda mais que tanto o porto como os armazéns estão em processo de privatização. Para isso, tem procurado participar dos debates e realizado atividades, como a Audiência Pública realizada na Câmara Municipal de Santos. José Luiz encerrou sua fala citando os nomes dos companheiros que participam das atividades do Comitê.
Ana Lúcia Lana Nemi iniciou sua fala com as lembranças que tem de Santos, onde tem familiares, e recordou a dedicatória no livro “Sombra Sobre Santos”, do seu primo Carlos Mauri Alexandrini, ao seu pai, e sobre a importância da preservação da memória para também lembrarmos das vitórias que tivemos e que, se agora vivemos um momento ruim, devemos acreditar que teremos outras vitórias. Também pautou sua fala sobre a Comissão da Verdade da Unifesp, que conversou com os vários campi, e que Santos foi um dos mais acolhedores. Encerrou convidando para o lançamento, em formato digital, do Relatório da Comissão da Verdade Marcos Lindenberg da Unifesp no dia 30 de abril.
Lídia Maria retomou a fala de Ana Nemi dizendo que emprestou os originais do seu livro “Raul Soares, um navio tatuado em nós”, a Mauri, que inclusive citou vários trechos. O livro só foi publicado em 1995 e é uma narrativa com dois pontos de vista: o dela, que é memória a partir da prisão do pai em abril de 1964, e o do pai, das experiências que teve no navio. Para o pai, o livro tem dois valores fundamentais: um, pela memória da filha, e outro, pela memória dos trabalhadores, pois fica como arquivo vivo para as futuras gerações. Lídia traçou um histórico sobre a cidade de Santos sob o ponto de vista econômico, social, político e com sindicatos organizados e que, por isso, foi tão perseguida pelos conservadores, que a tinham como um “antro de comunistas”. Também contou sobre o DOPS de Santos e as memórias das visitas ao pai no navio-prisão, quando tinha somente 6 anos de idade, e sobre a dinâmica e funcionamento: os espaços de tortura, os diversos períodos de prisão, as visitas. O navio funcionou como prisão de 24 de abril a outubro e foi considerado um importante centro de tortura no estado de São Paulo.
Agradecemos a todas/os participantes e a Eleonora e Rodolfo Lucena, que nos acompanhou nesta live que foi transmitida simultaneamente na página do Tutaméia no facebook.
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