Foto: André Santa Rosa/Divulgação
Por Lúcia Rodrigues *Texto publicado originalmente no site Holofote Notícias.
Em uma época em que o fascismo tenta impingir uma narrativa para apagar da história do Brasil os horrores praticados pela ditadura militar contra seus opositores, o projeto desenvolvido pelo Núcleo de Preservação da Memória Política se torna ainda mais importante.
Desde 2017, o diretor do Núcleo e ex-preso político, Maurice Politi, vem dando verdadeiras aulas de história sobre os Anos de Chumbo, no local onde funcionou o principal centro de tortura da ditadura militar, o DOI-Codi de São Paulo, para pessoas que querem conhecer a realidade daquele nefasto período.
O projeto capitaneado por Politi consiste em apresentar o centro de tortura e explicar o que acontecia lá dentro. Já atingiu aproximadamente 1.500 pessoas ao longo desses anos. A visita guiada só foi interrompida em 2020 e 2021, fase mais aguda da pandemia de Covid-19.
As apresentações ocorrem uma vez por mês, em data divulgada pelo site e pelas redes sociais do Núcleo Memória. É preciso fazer um agendamento prévio, chegar no horário definido, sentar e acompanhar os relatos de Politi, que passou 28 dias naquele inferno, no início dos anos 1970.
“As visitas ajudam a população, principalmente os jovens, a conhecerem a realidade da ditadura, nesse lugar simbólico que foi o DOI-Codi de São Paulo.”
Ao final da apresentação, todos sobem uma escada que dá acesso ao local onde funcionavam as salas de tortura em que os presos políticos eram submetidos a choques elétricos no pau de arara e na cadeira do dragão.
Não há mais nenhum instrumento de tortura no local, apenas as marcas do sofrimento registradas no ar pesado que se sente ao percorrer as instalações.
Também é possível conferir a partir do pátio, o sobrado onde o então comandante do DOI-Codi, o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, vivia com a família ao lado do local onde torturava opositores da ditadura, inclusive mulheres grávidas.
Em torno de 50 pessoas foram mortas sob tortura no DOI-Codi paulista. O caso mais conhecido é o do jornalista Vladimir Herzog, ocorrido em 25 de outubro de 1975.
“De acordo com a Comissão da Verdade, foi o lugar onde houve mais mortes, mais vítimas. O DOI-Codi de São Paulo é a nossa pequena Esma (Escola Mecânica da Armada, principal centro de tortura da ditadura militar argentina)”, ressalta Politi.
O próximo encontro está agendado para este sábado, 28, às 10h. O antigo DOI-Codi fica nos fundos da 36ª Delegacia de Polícia, na rua Tutóia, 921, ironicamente localizado no bairro do Paraíso.
Tombamento
Há exatos nove anos, em 27 de janeiro de 2014, o Condephaat, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, tombava o local.
Quase uma década depois, o projeto que visa transformar o antigo centro de tortura em um memorial em homenagem às vítimas da repressão que passaram pela masmorra, ainda não foi efetivado, apesar da luta incessante de ex-presos políticos como Politi.
Ele explica que há inclusive uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado para a pressionar para que o espaço se torne um centro memória, mas o caso agora está emperrado na Secretaria da Segurança Pública. “Disseram que até as eleições se resolveria, mas não se resolveu”, lamenta.
A preocupação aumenta, porque essa Secretaria passou a ser comandada pelo ex-policial militar da Rota, o deputado federal bolsonarista Guilherme Derrite. “A gente está muito preocupado, porque inclusive o local está se deteriorando”, adverte Politi.
Segundo ele, antes da vitória do bolsonarismo em São Paulo, a Secretaria já havia concordado em ceder recursos para a transformação do espaço em um centro de memória em homenagem às vítimas que passaram pelo DOI-Codi.