Por LISZT VIEIRA*
Um dos possíveis pontos de partida da modernidade no Brasil foi a Revolução de 30 e o Governo de Getúlio Vargas que, durante a ditadura de 1930 a 1945, e durante seu governo democrático de 1950 a 1954, lançou as bases de um projeto de industrialização nacional com proteção social, conforme a Legislação Trabalhista da CLT.
Muitas críticas podem ser feitas ao Governo de Vargas, mas é inegável que foi um marco na modernização histórica de um Brasil agrário e arcaico, dominado por latifundiários, com nostalgia da senzala. Os herdeiros desse projeto de modernização do país pela industrialização foram principalmente os governos do PT, atacados pelo capitalismo neoliberal e sua mídia sob o pretexto de combate à corrupção.
Depois do impeachment da ex-presidente Dilma, avançou a passos largos a desindustrialização do país. Nos anos 1980, o peso da indústria de transformação no PIB era de 33%, hoje é de 16%. Nos últimos cinco anos, o comércio exterior desse setor passou de um superávit para um déficit de 65 bilhões de dólares. Em 2015, o Brasil tinha 384,7 mil estabelecimentos industriais e, no fim do ano passado, a estimativa era de que o número tinha caído para 348,1 mil. Em seis anos, foram extintas 36,6 mil fábricas, o que equivale a uma média de 17 fábricas fechadas por dia no período. Os números são de um estudo feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) para o Estadão/Broadcast (Jornal da USP, 4/3/2021). O governo Temer e, principalmente, o governo Bolsonaro, fortaleceram a base agroexportadora de produtos primários, sem agregar valor pelo beneficiamento industrial.
Mas, na História do Brasil, nada se compara à destruição em curso do corpo e alma da nação. Terra arrasada na educação, na saúde, na cultura e, literalmente, no meio ambiente. Destruição de direitos e da política externa independente. O atual Governo negou a pandemia, boicotou as medidas de segurança, sabotou a vacina durante todo o ano de 2020. Chegaremos breve a 500 mil mortos, o que em nada abala o presidente genocida.
Por detrás, está a visão neoliberal de Milton Friedman que preconizava a destruição de tudo para depois reconstruir no modelo neoliberal de privatização dos serviços públicos. A escritora Naomi Klein conta em seu livro “A Doutrina de Choque – A Ascensão do Capitalismo de Desastre” que Friedman saudou o furacão Katrina que destroçou a cidade de Nova Orleans em 2005, derrubando grande número de escolas públicas. Ele propôs aproveitar o caos para privatizar todo o sistema de educação.
No caso do atual presidente do Brasil, há um agravante. Considerado psicopata ou sociopata, ele é sem dúvida um ser perverso que, em psicanálise, significa ter prazer com a dor do outro. Quanto mais dor e morte, mais prazer. Desde que assumiu, o presidente fez diversas propostas que provocam aumento no número de mortes, desde retirar a cadeirinha de proteção do bebê nos carros, suprimir as proibições na legislação de trânsito nas estradas, promover aglomerações sem máscara, até a sabotagem da vacina.
Seu projeto é instalar no país uma ditadura militar, com ele na cabeça, obviamente. Está contaminando, como uma praga, todas as instituições nacionais, travando uma verdadeira Guerra à Democracia. Nada fica imune a essa investida autoritária, nem mesmo o Exército, como se viu há pouco com a recusa do Comandante do Exército em punir a insubordinação do general Pazuello que, contrariando o Regulamento Disciplinar do Exército, participou de um comício político ao lado de Bolsonaro.
Mais grave ainda é seu objetivo de sublevar as PMs para dar um golpe em caso de derrota eleitoral ano que vem. Para isso, não será necessário que os tanques saiam dos quartéis. Basta os tanques não saírem dos quartéis para impedir o golpe. Já vimos esse filme na Bolívia.
Tudo isso para manter o Brasil no caminho de um retrocesso brutal, de uma ditadura apoiada pelo fundamentalismo religioso, pelo mercado financeiro, pelos militares que ocupam altos cargos no Governo e por um segmento cada vez mais reduzido do eleitorado que se limita hoje a 25 ou 30%. O Brasil está andando para trás. Há involução em vez de desenvolvimento. O PIB – falso medidor de crescimento – está estagnado e, quando cresce, beneficia uma pequena elite econômica que dele se apropria. Bolsonaro – esse exterminador do futuro – executa o plano trágico do ultraliberalismo do ministro Guedes: eternizar a dependência, privatizar os serviços públicos e transformar direitos em mercadorias.
A população de baixa renda está com dificuldades de sobreviver. A inflação de alimentos é a maior de todas. Em um ano de pandemia, o preço dos alimentos subiu 15%, quase o triplo da taxa oficial de inflação no período que ficou em 5,20% segundo o IBGE (Folha de São Paulo, 11/3/2021). O desemprego se elevou a 14,4%. E 13% da população do país ou 26 milhões de pessoas estão sobrevivendo com uma renda per capita de apenas R$ 250 por mês (Valor, 29/3/2021). Pobres tornam-se miseráveis, mas o número de bilionários brasileiros aumentou na pandemia: cresceu de 45, em 2020, para 65 agora (Uol, 7/4/2021). Não é surpresa constatar que aumentou a desigualdade social.
Muitos eleitores de Bolsonaro já se arrependeram, a começar pela grande mídia comercial que o apoiou em 2018, fechando os olhos para sua corrupção, apoio às milícias, defesa da tortura, armas para todos, guerra civil, ditadura militar e do seu preconceito contra a mulher, gay, negro e índio. Votaram na barbárie e agora lamentam, em nome da civilização cada vez mais agredida.
A sociedade civil foi às ruas em todo o Brasil no último dia 29/5. Centenas de milhares de pessoas em todo o país mostraram que não vão cruzar os braços e aceitar passivamente a destruição da democracia em curso. Bolsonaro dobra a aposta em seu tresloucado projeto de promover a guerra civil no país. Ele vem abastardando as instituições, e até o Exército caiu de joelhos, a seus pés.
Como os militares se comportarão quando Bolsonaro, na esteira de seu ídolo Trump, der o golpe com o apoio de sua PM, sua Milícia, seu Procurador Geral, seus Ministros, seus Empresários e seus Pastores Evangélicos? As Forças Armadas vão defender o Brasil e sua Constituição ou também vão se tornar as FFAA de Bolsonaro?
*Liszt Vieira é professor aposentado da PUC-RJ. Autor, entre outros livros, de Identidade e globalização (Record)
Publicado originalmente no portal Carta Maior e transcrito no site A Terra é Redonda