Foto: Mateus Sales/OAB SP
O Núcleo de Preservação da Memória Política (NM) celebrou a assinatura do Acordo de Cooperação para a instalação do Memorial da Luta pela Justiça, em evento realizado no dia 26 de julho. O trabalho de cooperação é realizado entre o Núcleo Memória, a Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB SP), o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MHDC) e a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI). O Acordo de Cooperação é um importante passo na contínua busca por Justiça de Transição no país.
Abaixo, reproduzimos a notícia produzida pela OAB SP sobre o evento realizado em sua sede:
A Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB SP) deu um importante passo para que o projeto do Memorial da Luta pela Justiça saia do papel e seja concretizado. Em uma cerimônia marcada por momentos de grande emoção, foi realizada na sexta-feira (26) a assinatura do Acordo de Cooperação para que o Memorial seja instalado no antigo prédio das Auditorias Militares de São Paulo, símbolo da repressão da ditadura militar. A presidente da Secional paulista, Patrícia Vanzolini, revelou que as obras do Memorial terão início no mês de setembro.
Ao lado do vice-presidente Leonardo Sica e do tesoureiro Alexandre de Sá Domingues, Vanzolini assinou o acordo de cooperação em conjunto com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, na pessoa do ministro Silvio Almeida, que esteve presente pessoalmente na ocasião; a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, que teve o titular da pasta, ministro Alexandre Padilha, representado por Paulo Pereira, Secretário da Secretaria Executiva do Conselho de Desenvolvimento Institucional Econômico Sustentável do governo federal; e o Núcleo de Preservação da Memória Política, na pessoa de Maurice Politi, diretor executivo do Núcleo de Preservação da Memória Política e membro do Comitê Gestor do novo Memorial.
Além dessas autoridades, que compuseram a mesa de abertura, a cerimônia contou com a presença de alguns dos 65 ex-presos políticos, cujos depoimentos foram registrados em vídeo pela equipe do Núcleo de Preservação da Memória Política, e farão parte do acervo do Memorial. Compareceram à cerimônia Aton Fon Filho (advogado), Manoel Cyrillo (publicitário), Reinaldo Morano (psiquiatra), Rita Sipahi (advogada) e Anivaldo Padilha, pai do ministro Alexandre Padilha.
A iniciativa da criação do Memorial da Luta pela Justiça partiu da OAB SP em colaboração com o Núcleo de Preservação da Memória Política. A parceria com o governo federal tem como principal objetivo a transformação do antigo prédio das Auditorias Militares de São Paulo, localizado na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, em um espaço dedicado à memória dos advogados, ex-presos políticos, trabalhadores, estudantes, artistas, jornalistas e todos os que foram acusados e julgados durante o regime militar brasileiro. No edifício ocorreram julgamentos de crimes políticos durante a ditadura militar (1964-1985).
O projeto contará com a colaboração direta das entidades envolvidas, cada uma assumindo responsabilidades específicas para garantir o sucesso da iniciativa. Estratégias de sensibilização e divulgação serão implementadas para promover a conscientização pública sobre os eventos históricos ocorridos durante o período da ditadura militar.
O Acordo de Cooperação tem vigência inicial de 24 meses, podendo ser prorrogado conforme necessário, e será pautado pela transparência total em todas as fases do projeto. Relatórios conjuntos serão disponibilizados regularmente para garantir que a comunidade e a sociedade em geral estejam informadas sobre os progressos e resultados alcançados. A previsão inicial é a de que a obra de criação do Memorial da Luta pela Justiça seja concluída em 2026.
Discursos cheios de emoção
A cerimônia foi marcada por momentos de emoção, a começar pela apresentação de um mini documentário sobre o Memorial, produzido pela OAB e pelo Núcleo de Preservação da Memória Política. O vídeo relata de que forma o prédio sediou, na época da ditadura militar brasileira, um dos centros de arbítrio do regime naqueles anos, com relatos de tortura a militantes da resistência contra o regime militar que ocorreram naquele local. O clima de emoção foi mantido nos discursos das autoridades.
O advogado é um candeeiro - Em seu discurso, o ministro Silvio Almeida classificou a cerimônia como um momento histórico que seria lembrado pelas próximas gerações. Estamos aqui hoje fazendo um movimento contrário ao que normalmente ocorre neste país, onde existe uma tradição de desrespeito sistemático aos direitos humanos, à memória, às políticas de verdade, à justiça e as balizas de não repetição, comentou.
O ministro destacou a importância do papel dos advogados e da memória histórica na luta contra regimes autoritários e opressivos. Ele relembrou o filme Sessão Especial de Justiça, do diretor Costa Gravas, para ilustrar como sistemas de justiça podem ser corrompidos por regimes fascistas e nazistas, apontando que esses regimes sempre contaram com a colaboração de operadores do Direito. Nesse contexto, enfatizando que todos os golpes de Estado têm juristas envolvidos, afirmou ser crucial entender a significância de ser advogado. O advogado é um candeeiro, uma luz em meio às trevas, insistindo em brilhar mesmo diante da escuridão, disse.
Almeida afirmou que a advocacia só pode existir plenamente em um país soberano e livre, e por esse motivo considera que a luta pela liberdade democrática é sina de todos os operadores de Direito. Ele ainda ressaltou que as políticas de memória entrelaçam passado, presente e futuro, e permitem que a sociedade não repita os erros do passado.
Silvio Almeida garantiu que apoio e implementação de políticas de memória e verdade, como a criação de outros memoriais, incluindo a Casa da Morte em Petrópolis, cumprem as recomendações da Comissão Nacional da Verdade. Em breve, será lançada uma portaria para estabelecer um comitê de acompanhamento das recomendações dessa comissão, reforçando o compromisso com a preservação da memória histórica e a luta pelos direitos humanos.
O Memorial é do Brasil - Em sua fala, Patrícia Vanzolini valorizou o apoio do governo federal. Agradeço por compreenderem que essa não é uma causa de São Paulo, mas do Brasil, da democracia brasileira e esse apoio é fundamental para conseguirmos seguir em frente com esse projeto, para sempre lembrarmos de uma história que a gente não quer que se repita, comentou.
O artífice - A presidente da OAB estendeu os agradecimentos à atual diretoria da Secional paulista, que, segundo ressaltou, abraçou o projeto dando a ele prioridade e pontuou, em especial, o empenho do vice-presidente Leonardo Sica. Ele foi o artífice deste convênio, que teve a iniciativa de procurar o ministro Silvio Almeida e está liderando este projeto, afirmou.
Patrícia também saudou as gestões anteriores da OAB São Paulo, nas quais o projeto do Memorial da Luta pela Justiça nasceu e começou a ter andamento. Ela também homenageou todos os advogados e advogadas, na pessoa do advogado Belisário dos Santos Junior, lembrando o papel crucial que desempenharam e desempenham, na luta pela democracia no Brasil.
Por fim, de forma emocionada, Patrícia Vanzolini fez uma última homenagem. Agradeço a todos e todas, trabalhadores, estudantes, advogados ou não que lutaram nesse momento e faço isso na pessoa da Maria Eugênia e do Luis Claudio, meus pais, concluiu.
Compromisso com o Estado de Direito - Paulo Pereira destacou o apoio da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República para com o projeto do Memorial da Luta contra a Justiça e reforçou o comprometimento do ministro Alexandre Padilha. Além das convicções naturais de todas as pessoas comprometidas com o estado de direito à democracia, foi tocado pela história da repressão, pois é filho de dois militantes políticos que lutaram contra a ditadura, lembrou.
Vitória da perseverança - Maurice Politi, diretor do Núcleo Memória, afirmou que a assinatura do acordo de cooperação é uma vitória da perseverança e relatou os desafios enfrentados desde o ano de 2011, quando a saga da luta para a instalação do Memorial foi iniciada. Ele traçou uma cronologia histórica dessa luta, lembrando o período da pandemia e o momento político vivenciado pelo país na época.
O acordo é um sinal de confiança e compromisso para finalmente se fazer justiça no Brasil e contar a verdadeira história da ditadura, comentou. Politi sublinhou que ao longo dos anos o Núcleo de Preservação da Memória Política trabalhou incessantemente na pesquisa e coleta de testemunhos para o acervo do Memorial.
Desejo que este Memorial da Luta Pela Justiça sirva de inspiração nesse caminho contínuo de exigir justiça e defender a democracia atualmente e no futuro, pela memória de Marieles e Amarildos, para que não se esqueça e para que nunca mais aconteça, concluiu Politi.
Cronologia da luta pelo Memorial, por Maurice Politi
2011 - O projeto começou há 13 anos, em 2011, quando os diretores do Núcleo de Preservação da Memória Política (NPMP) descobriram que o prédio da ex-Auditoria Militar, abandonado pelo Exército, estava prestes a abrigar uma delegacia da Polícia Federal. Em resposta, o NPMP, com apoio de diversas entidades, iniciou a luta para transformar o prédio em um memorial dedicado à luta pela justiça.
2013 - Após várias diligências, a Superintendência do Patrimônio da União cedeu o prédio em comodato por 20 anos à OAB São Paulo em parceria com o NPMP.
2015 - No ano seguinte, uma equipe de museólogos, arquitetos e pesquisadores elaborou o primeiro projeto de intervenção arquitetônica e museológica, aprovado pelo Ministério da Cultura em 2015 para receber os benefícios fiscais da Lei Rouanet. Esse projeto inicial conta com a participação de diversos atores sociais, incluindo operadores do Direito, ex-presos políticos e seus familiares, acrescentou Politi.
2016 - A captação de recursos começou em 2016, mas foi interrompida pela pandemia de Covid-19, que redirecionou as doações para as áreas de saúde e alimentação.
2022 - Sob a gestão de Patrícia Vanzolini e de Leonardo Sica, a OAB SP renovou os esforços de captação e o projeto foi atualizado e novamente aprovado pelo Ministério da Cultura. No final daquele ano, com 21% dos recursos necessários captados, foi constatada a realidade dos custos atualizados do projeto e precisou ser efetuada a reformulação e aprovação de um novo orçamento.
2023 - Aprovação do novo projeto na Lei Rouanet para complemento das obras e restauro do edifício . Paralelamente a isso foram iniciadas gestões pelo Dr. Sica e pelo Comitê Gestor para buscar apoio a nível federal para o projeto.
Durante todos esses anos, o Núcleo de Preservação da Memória Política, patrocinado pela Fundação OAK, trabalhou incessantemente na pesquisa e coleta de testemunhos para o acervo do Memorial, ressaltou Politi. Ele citou como crucial o papel do Ministério Público de São Paulo, que negociou o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a empresa Volkswagen, destinando parte das reparações feita pela empresa a presos políticos ao Memorial e, assim, permitindo o início das obras de demolição de parte do prédio e futuras instalações.
Acervo
O acervo foi organizado pelo Núcleo de Preservação da Memória Política que, além de documentos e gravações, também possui relatos de pessoas que passaram pelas Auditorias Militares durante a ditadura, seja na condição de réus, advogados ou familiares, e que contam a experiência vivenciada na época.
O trabalho foi realizado por historiadores e pesquisadores do Núcleo e será parte importante do acervo do Memorial. São mais de 65 testemunhos, incluindo o do advogado José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, que coordenou a Comissão Nacional da Verdade (CNV) em 2013, e a ex-presa política Amelinha Teles, feminista histórica, cofundadora da União de Mulheres do estado de SP e integrante da Comissão da Verdade de SP.
Clique aqui e veja a íntegra da cerimônia realizada no dia 26/07, na sede da OAB SP.