(Foto: Watson Institute for International and Public Affairs/ Brown University)
Professor de História Latina Americana da Brown University, James Naylor Green
recebeu seu doutorado em História da América Latina em 1996 pela UCLA,
Universidade da Califórnia em Los Angeles. Atualmente é diretor da Brown Brazil
Iniciative da Brown University e professor visitante da Universidade Hebraica de
Jerusalém, em Israel.
Seu primeiro contato com a situação política do Brasil ocorreu em 1973 por meio de
um exilado político que estava fazendo uma campanha contra a tortura promovida
pelo regime militar. James colaborou com a campanha internacional contra a
ditadura, e logo após veio para o país, onde viveu cerca de 6 anos.
Recentemente, se juntou com outros acadêmicos internacionais e ativistas pela
democracia para denunciar o golpe parlamentar sofrido pela ex-presidente Dilma
Rousseff.
Autor do livro “Apesar de você: a oposição à ditadura militar nos EUA, 1964-85”,
‘Além do Carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX’ e
‘Revolucionário e Gay’, uma biografia de Herbert Daniel, cujo lançamento em São
Paulo será realizado no próximo Sábado Resistente, dia 25 de agosto, James
conversou com o Núcleo Memória durante a sua passagem pelo Brasil para divulgar
o seu novo livro ao público brasileiro.
Confira a seguir a entrevista realizado com o historiador:
Núcleo Memória: Quais os motivos que te levaram a escolher a vida de Herbert Daniel para escrever um livro e como foi o processo de escrita?
James N. Green: Considero que Herbert Daniel vivia uma vida extraordinária.
Quando ele voltou do exílio político em 1981 ele desenvolveu uma política que
ligava a questão da discriminação das pessoas LGBT com as lutas sociais para um
mundo melhor. Desenvolveu uma campanha eleitoral para deputado estadual
absolutamente original em 1986 e depois desenvolveu uma maneira de tratar as
pessoas vivendo com HIV/aids com compaixão e compreensão. Em 1989 quando
ele descobriu que era soropositivo, fundou PelaVidda, um ONG que enfrentou a
discriminação social e oferecia outra visão sobre a doença. Queria contar a história
da vida dele para novas gerações que não conheceu esta personagem incrível.
A minha produção acadêmica sempre teve dois objetivos: fazer um trabalho
historiográfico bem feito e usar a minha produção acadêmica para intervir
politicamente com o objetivo de transformar a realidade. Acho que as pessoas
LGBT não precisam de heróis, mas precisam de referências positivas, ou seja,
pessoas que sofreram a discriminação e a homofobia da sociedade e conseguiram
enfrentar e transformar a consciência de setores sociais. Acredito que é
fundamental compreender como as pessoas pensaram e implementaram a noção
de inteseccionalidade, uma ideia bastante presente na academia na atualidade. É
com esse intuito, que eu queria lançar o olhar para o cruzamento de vários tipos de
lutas pela justiça sócio-econômica e pela ampla democracia e inclusão social.
Levando em consideração a atual conjuntura política do Brasil, qual a
importância de escrever sobre um guerrilheiro homossexual?
James N. Green: E especialmente num momento onde a direita e a reação está
consolidando força internacionalmente, acho fundamental que tenhamos referências
históricas de pessoas que resistem aos golpes, ao nacionalismo reacionário, a
xenofobia, ao racismo, a misoginia e a todas as formas de discriminação e
repressão de pessoas LGBTT.
No seu momento, durante a ditadura militar, Herbert Daniel resolveu correr o risco
de morrer para enfrentar o regime e tentar de derrubá-lo. Depois reconheceu que a
estratégia que ele e outros escolheram não tomava em conta a realidade nacional,
especialmente uma expansão econômica entre 1968 e 1973, que reforçava uma
relação entre o governo autoritário e vários setores sociais. Conseguiu repensar
tudo quando morava no exílio e voltou ao Brasil com novas maneiras de pensar a
política e transformar o país.
A esquerda por muito tempo foi homofóbica. Quais os progressos que os
LGBT’s conquistaram dentro desse espaço?
James N. Green: Quando Daniel decidiu entrar numa organização revolucionária
em 1967 na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, ele
sentia a homofobia das esquerdas que tinha preconceitos contra a
homossexualidade. Ele já sentia desejos sexuais e afetivos por outros homens, mas
percebia que a organização ao qual ele fazia parte não aceitava pessoas
abertamente homossexuais nas suas fileiras.
São vários fatores que explicam porque as esquerdas nos anos 60 e 70
incorporaram valores da sociedade brasileira a considerar a homossexualidade uma
aberração. Estas razões vão desde conceitos moralistas católicas embutidos na
cultura brasileira até noções médico-legais de gênero, bem tradicionais, que
consideravam um homem efeminado como uma pessoa doente e anormal,
certamente incapaz de possuir a virilidade masculina necessária para ser um bom
revolucionário e de guerrilha. Em vez de questionar estes valores, as esquerdas
incorporaram estas ideias dentro da sua perspectiva geral sobre a sociedade
brasileira e um futuro sociedade socialista.
Em 1967, quando ele entrou em uma pequena organização marxista em Belo
Horizonte, ele queria transformar o mundo. Infelizmente a esquerda brasileira,
refletindo o seu tempo e o seu momento, não tinha espaço para certas ideias
revolucionárias e Herbert não sabia como lutar tanto para os seus direitos sexuais
quanto para o fim da ditadura e por um mundo melhor. Tentou expressar os seus
sentimentos, mas o clima não permitiu a sua homossexualidade. Entrou no seu
primeiro exílio, interno, quando decidiu optar para a revolução e reprimir a sua
sexualidade o os seus sentimentos. O Brasil e o mundo tinham que mudar para
ajudar Daniel a mudar. No caminho ele enfrentou muitos obstáculos sociais e
culturais dos seus próprios companheiros e companheiras, embora também tinham
aliadas e alguns aliados no processo.
Os novos movimentos sociais e as contestações sociais-culturais, junto com a
abertura democrática dos anos 80 ofereceram novas oportunidades para ele
encontrar-se e para criar outras formas de fazer a política. Ao longo dos últimos
anos o Brasil mudou muito. Hoje em dia, todos as organizações das esquerdas tem
militantes LGBT participando ativamente nas suas fileiras. Fiquei contente de ver o
número de candidatos LGBT nesta eleições, desde pessoas pioneiros como Jean
Wyllys, que considero um dos herdeiros políticos de Herbert Daniel, e
especialmente um número de trans que são se postulando para ser eleito.
O movimento LGBT mundial descobriu uma coisa revolucionários nos últimos 50
anos: assumir a sua identidade e a sua sexualidade sem ser defensiva ou fazer
apologias. As paradas LGBT, por exemplo, servem para afirmar a
homossexualidade como uma sexualidade ou maneira de amor legítima e norma,
entre várias maneiras de amar. Pessoas assumidos estão ocupando espaços nas
universidades, no trabalho, na cultura, nas suas famílias e na sociedade que
provocam transformações sociais. Neste sentido Daniel foi um pioneiro e o seu
legado tem que ser reconhecido.
Como esse tema é recepcionado nos Estados Unidos?
James N. Green: Infelizmente, poucos norte-americanos sabem muito sobre o
Brasil, a sua história recente e a luta contra a ditadura militar. Neste sentido esta
biografia sobre Herbert Daniel, que terá uma circulação entre o meio acadêmico e
entre ativistas LGBT, vai revelar outras imagens e noções sobre o Brasil, sua cultura
e o seu passado. Infelizmente, em geral as ativistas LGBT nos Estados Unidos
tendem a preocupar-se mais para a realidade norte-americana e neste momento
estamos lutando contra um governo reacionário que se sustenta com apoio das
igrejas conservadores e moralistas e setores sociais que se opõem os movimentos
democráticos que conquistaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo e
outros direitos nos últimos anos. Nossa tarefa lá como aca é de lutar contra estas
forças reacionárias.
Quais as suas previsões para o futuro da política brasileira após as eleições
deste ano?
James N. Green: Ainda é difícil prever os resultados das eleições presidenciais,
que vão determinar o futuro imediata. Acho que as esquerdas ainda estão na
defensiva e as direitas estão tentando impor uma agenda reacionária que vai tentar
eliminar todos os avanços dos últimos anos no Brasil. É possível que os próximos
tempos são de resistência. Hoje estamos vivendo tempos difíceis no Brasil, nos
Estados Unidos, na Europa e em outras partes do mundo. Acho que podemos
aprender com Herbert Daniel, com sua energia, com sua visão, com suas
contradições, angústias e limitações. Como ele sempre dizia quando abraçou a sua
vivência com AIDS. “Vivia a vida.”