Os convidados deste SR foram o professor e diretor do Núcleo Memória Oswaldo de Oliveira Santos Júnior, graduado em História, Geografia e Teologia e mestre em Ciências da Religião, além de coordenar o Núcleo de Formação Cidadã da Universidade Metodista de São Paulo e o Programa Interinstitucional de Formação Geral e Cidadã da Rede Metodista de Ensino; Edson França, historiador, ativista do movimento negro brasileiro, vice-presidente nacional da União de Negros pela Igualdade (UNEGRO) que, por motivos de força maior, não pode participar; e Caio Muniz, músico, poeta, historiador e chargista e já se apresentou em outras edições dos Sábados Resistentes. A abertura da atividade foi realizada por Aureli Alcântara, que coordena o Programa de Ação Educativa do Memorial da Resistência, e a mediação foi feita por César Rodrigues, historiador e pesquisador do Núcleo Memória.
Em sua apresentação inicial, Caio Muniz disse realizar um trabalho de cantar para o Nunca Mais e Educação em Direitos Humanos através da música. Falou um pouco sobre a escolha das músicas “Viola Enluarada” e “Relampiano” como forma de ampliação do repertório dos educadores em Direitos Humanos, pois elas abordam a resistência e a denúncia de mazelas sociais.
O professor Oswaldo iniciou sua participação enfatizando um aspecto importante presente na fala e nas músicas que Caio trouxe: a vulnerabilidade. Disse que quando falamos de racismo, de preconceito e discriminação estamos falando sobre uma tecnologia de poder, que nada tem a ver com desvio de caráter ou doença. Tem o objetivo claro de redução da humanidade do outro, pois, em uma sociedade de classes como a que vivemos, essa diminuição ou “coisificação” (transformar a pessoa em coisa) procura abrir brecha para a ampliação da exploração, no caso, da população afro-brasileira. Oswaldo disse ter quatro autores que o auxiliam a pensar essa questão: Frantz Fanon, Florestan Fernandes, José Mariátegui e Erving Goffman. O primeiro, em que um capítulo da obra “Peles Negras, Máscaras Brancas” auxiliou uma de suas alunas a ter o entendimento do significado de ser negra. Já em relação a Florestan Fernandes, sua obra “A integração do negro na sociedade de classes” é fundamental para começar a demarcar essa discussão, assim como é importante a reflexão que Mariátegui faz sobre classe e raça. Quanto a Goffman, Oswaldo afirma que o autor colabora com a discussão, tratando o conceito de estigma e os processos de estigmatização. Disse que, no Brasil, a mentalidade racista é de longa duração, persistindo até o presente. “Houve a abolição da escravidão em 1888, mas jamais conseguimos abolir a mentalidade escravocrata”. Afirmou que essa mentalidade permeia nossa sociedade de forma tão natural que muitas vezes nem nos damos conta dela no cotidiano, por isso é muito importante a tomada de consciência, tal como sua ex-aluna fez ao compreender o significado de ser negra. Para isso, é fundamental que o debate sobre o racismo não seja silenciado, como muitas vezes ocorre quando ele é posto, evidenciado. Por fim, Oswaldo trouxe uma reflexão feita pela filósofa Hannah Arendt sobre culpa e responsabilidade, em que afirma que culpa é uma percepção de um ato atribuído a algo que determinada o que a pessoa fez, enquanto responsabilidade tem a ver com a noção de que todas as pessoas em uma sociedade têm o dever de saber que somos responsáveis pela permanência do racismo. Neste sentido, “não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, como afirma Angela Davis.
Ao iniciar o debate, César apontou que ao longo da história o Estado brasileiro e as elites contribuíram para o racismo estrutural em nossa sociedade e que isso em muito se deve aos quase 4 séculos de escravidão, em que negros e negras foram sistematicamente torturados, mortos e coisificados. Citou também como exemplo o Ato de Império de 1824, que previa a educação primária gratuita a todos os cidadãos, mas excluía os escravizados. Assim como foi com a Lei de Terras de 1850, que impedia que os escravizados obtivessem posse de terras através do trabalho, mas subsidiava a vinda de colonos do exterior, desvalorizando ainda mais o trabalho de negros e indígenas. Para além disso, o Brasil foi o último país no mundo a abolir a escravidão e o Estado não fez nenhuma ação para a inserção das pessoas que foram libertas, marginalizando-as, uma vez que elas não possuíam educação, moradia e trabalho. Mesmo com a República instituída, leis foram criadas para brecar a inserção dessa população, como a lei que proibia a capoeira, que não só visava impedir uma importante manifestação cultural de negros como não permitir o agrupamento dessa população nas ruas.
Já Caio Muniz, comentou sobre o seu trabalho enquanto educador, dos preconceitos disfarçados de brincadeiras nas salas de aula e da importância de percepção do professor em não deixar isso passar. Por sua vez, Aureli comentou que em muitas instituições culturais ou de ensino foi construída uma ideia de cultura branca em que negros e negras não podem adentrar ou participar, reduzindo a diversidade cultural, fazendo um paralelo com o que o professor Oswaldo falou sobre estigma, preconceito e vulnerabilidade. Também falou que o Memorial da Resistência de São Paulo tem enfatizado e selecionado para o seu programa de Coleta Regular de Testemunhos vozes negras de pessoas que militaram na resistência durante a ditadura, assim como em outras atividades educativas da instituição.
A transmissão do evento foi realizada pelos canais do Núcleo Memória (Youtube e Facebook), do Memorial da Resistência (Facebook) e Tutaméia (Youtube e Facebook).
Para conferir a atividade na íntegra, basta clicar em um dos link’s:
Núcleo Memória (Youtube): https://youtu.be/C813ogY5L5M
Núcleo Memória (Facebook): https://fb.watch/9AF6wPxNjk/
Memorial da Resistência de São Paulo: https://fb.watch/9AFy_TuhD2/
Tutaméia (Youtube): https://youtu.be/jVZt43KGT0I
Tutaméia (Facebook): https://fb.watch/9AFwMuruRt/