Para esta atividade, foram convidados três especialistas na temática: João Sette Whitaker Ferreira, professor livre-docente da FAU-USP, arquiteto e urbanista, economista e mestre em Ciência Política; Tales Fontana Siqueira Cunha, advogado, mestre e doutorando pela FAU-USP, pesquisador do Laboratório de Habitação e Assentamentos Urbanos e membro do Coletivo BR-Cidades; e Queops Damasceno, editor do jornal A Verdade, coordenador e ativista do Movimento de Luta nos Bairros, além de ser um dos mobilizadores da campanha nacional Brigadas da Solidariedade, Vilas e Favelas (MLB). A apresentação da atividade contou com a participação de Ana Pato, coordenadora do Memorial da Resistência e de Katia Felipini, museóloga e diretora do Núcleo Memória, que também mediou a conversa. As questões do público foram trazidas por César Rodrigues, historiador e pesquisador do Núcleo Memória.
O professor João Sette Whitaker iniciou enfatizando a importância de se compreender a questão da moradia e da vida nas cidades como constitutiva do universo dos Direitos Humanos, uma vez que está intrinsicamente conectada ao debate sobre o direito à cidade e a falta de investimentos em saúde e educação, pois muitas pessoas que não têm acesso a uma moradia digna enfrentam problemas como a insalubridade urbana e ausência de saneamento básico atreladas a problemas educacionais advindos da precariedade do local onde residem. Whitaker disse que, aquilo que os técnicos e pesquisadores apontam há anos como fatores do déficit habitacional no país, foi agravado com a chegada da pandemia no ano passado e pela qual ainda vivemos. Fatores como moradias precárias, que geralmente abrigam muitas pessoas e impedem qualquer possibilidade de isolamento; muitas famílias em que netos convivem com seus avós, colocando-os em risco, uma vez que este segundo grupo é considerado o mais suscetível a enfrentar problemas graves pela infecção do coronavírus; a falta de saneamento básico, que não permite procedimentos adequados de higiene etc. Isso demonstra que este não é um problema conjuntural, mas estrutural, pois a forma como nossas cidades se estrutura condicionam um sistema em que os mais pobres são os mais afetados. As políticas públicas voltadas para a questão da moradia e o direito à cidade não podem ser interrompidas a cada quatro anos, e sim, pensadas a médio e longo prazo. Por fim, o professor disse que, para o direito à moradia se consolidar como um direito humano, é preciso uma aceitação da sociedade de que haja uma inversão de prioridades a médio e longo prazo nos investimentos nos bairros nobres para uma alocação de recursos nos bairros periféricos. Essa aceitação passa por uma “revolução interior e coletiva”, em que as pessoas compreendam que a vida comum nas cidades diz respeito a todos e, portanto, é também responsabilidade das sociedades promoverem as mudanças.
Em seguida, o pesquisador Tales Fontana trouxe algumas reflexões de pensadores e teóricos, baseados nos processos históricos ocorridos no Brasil para pensar a questão da moradia enquanto um direito, trabalhando na chave cidade, memória e desigualdade social. Falou sobre o conceito de desenvolvimento trabalhado por Celso Furtado, em que o economista e intelectual brasileiro desenvolveu sua teoria dentro da perspectiva do excedente, que é tudo aquilo que sobra, que excede às necessidades básicas das pessoas. Furtado escreveu que uma sociedade sem excedente seria igualitária, pobre e sem perspectiva de futuro, pois só teria o mínimo para satisfazer suas necessidades essenciais no dia a dia. Depois, Tales falou sobre a teoria trabalhada pelo historiador Caio Prado Júnior em seu texto “Sentido da Colonização”: pelo fato das colônias trabalharem em prol da metrópole, dos países colonizadores, não permite a autonomia e nem o desenvolvimento de nexos morais entre as pessoas que vivem nas colônias, além de sempre depender dos excedentes que são produzidos para o outro, que no nosso caso, é a Europa. Tales também citou a professora Ermínia Maricato, da FAU-USP, que pensa urbanização e industrialização juntas. Ela afirma que, entre 1940 e 1980, no período do ápice da industrialização no país, temos uma mudança de 30% para 70% de pessoas que viviam nas áreas rurais e passam a viver nas cidades. Portanto, o fenômeno da urbanização é recente em nosso país. Por aqui, o salário-mínimo não dá conta das necessidades básicas dos trabalhadores e o processo de construção de moradias acontece de maneira autônoma e precária nas periferias das grandes cidades. Tales disse que esse é um processo contraditório, em que à medida que vai acontecendo são plantadas as próprias sementes de sua destruição, através da repressão pelo Estado. Lembrou que foi durante os anos de 1980, com o novo sindicalismo questionando os baixos salários e a emergência de uma série de lutas sociais urbanas, que a ditadura foi derrubada e promulgada a Constituição de 1988, que prevê o direito à moradia como um direito social. Por fim, falou sobre o saldo dos 20 anos do Estatuto das Cidades, que previa uma série de instrumentos urbanísticos que possibilitassem a efetivação da função social da propriedade prevista na Constituição.
O ativista Queops Damasceno iniciou sua participação informando que sua fala acontecia na Ocupação dos Imigrantes, no bairro da Liberdade, pois participava de uma atividade do MLB com um grupo de haitianos. Disse que entrou no movimento por uma questão de necessidade, uma vez que conquistou sua moradia através da luta de uma ocupação no estado do Ceará. Ele precisou vir para São Paulo para cumprir tarefas do MLB enquanto coordenador nacional, mas seu pai permaneceu morando na casa conquistada. Falou sobre a fundação do movimento há 22 anos atrás, com três objetivos de luta: a do direito à moradia, pela reforma urbana e pelo socialismo. Queops explicou que mesmo compreendendo que a resolução do déficit habitacional não se resolverá sem que os três objetivos sejam alcançados, o motor da luta do MLB é o do direito à moradia, pois ela organiza uma camada da sociedade que não consegue de outras formas. A base dessa camada é formada por dezenas de milhares de pessoas que não conseguem pagar o aluguel, de trabalhadores informais, de desempregados, de mulheres negras que vivem em áreas de risco etc. O ativista ainda falou da importância da obra de Clóvis Moura, que em seu estudo “A dialética radical do Brasil negro” aborda tanto a lei de terras quanto a lei Eusébio de Queiroz, ambas de 1850. Queops entende que a primeira foi o princípio da guetização de uma raça, por modificar a estrutura fundiária no país, substituindo o sistema de concessão da terra dada pelo Império para um sistema de propriedade privada, em que poucos tinham condições de adquirir terras. Já a segunda proibiu o tráfico negreiro, diminuindo consideravelmente o número de pessoas escravizadas ao Brasil e iniciando tanto o processo de branqueamento da população quanto a política imigratória. Em muitos casos, os imigrantes vinham com subsídios para assumir produções agrárias e pequenas propriedades, enquanto a maioria da população negra ainda lutava por sua liberdade, sem condições de adquirir qualquer pedaço de terra. Queops entende ser importante conhecer esse processo histórico para compreender a imensa desigualdade social do presente e as divisões da cidade entre raça e classe. Por fim, o ativista disse que durante a pandemia o MLB atendeu mais de 35.000 famílias, a base de doações de amigos do movimento com cestas básicas, kits de higiene a assistência. Destacou o importante trabalho de outros movimentos sociais, como as constantes doações de produtos orgânicos realizados pelo Movimento dos Sem-Terra (MST) bem como a iniciativa das cozinhas solidárias que o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) vêm realizando. Eles são imprescindíveis em um país que não tem governo, nem sequer um programa, a não ser o de entregar as riquezas de nosso país aos estrangeiros.
O debate seguiu com a intermediação de César Rodrigues, historiador e membro do Núcleo Memória, com as perguntas do público aos convidados. A transmissão do evento foi realizada pelos canais do Núcleo Memória (Youtube e Facebook) e do Memorial da Resistência (Facebook). Contamos ainda com a parceria do canal Tutaméia, que retransmitiu a atividade em seus canais (Youtube e Facebook).
- Para conferir a atividade na íntegra, basta clicar em um dos seguintes link’s:
Núcleo Memória (Youtube): https://youtu.be/JiPfbqUmT-Q
Núcleo Memória (Facebook): https://fb.watch/8lHfrai_R7/
Memorial da Resistência de São Paulo: https://fb.watch/8lHiD_c2pS/
Tutaméia (Youtube): https://youtu.be/zINxmb86Ies
Tutaméia (Facebook): https://fb.watch/8lHoy_eC2E/
- Link’s sobre temas citados na atividade:
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas: https://www.mlbbrasil.org/
Estatuto das Cidades: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm
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